O impacto que não estávamos prontos para encarar
Imagine acordar com a notícia de que seu cargo foi automatizado. Não por incompetência. Não por cortes orçamentários. Mas por um algoritmo.
Agora imagine que, se você é mulher, suas chances de viver isso são três vezes maiores. Não se poderia culpar, como veremos, se alguém afirmar que a IA demite mulheres.
Foi a surpresa ao ler esta matéria da Inc. citando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), vinculada à ONU, em seu relatório sobre o impacto da automação no emprego global. Segundo o estudo, mulheres estão desproporcionalmente mais vulneráveis à substituição por tecnologias de IA — especialmente em setores como atendimento ao cliente, suporte administrativo e funções repetitivas, ou seja, segundo o relatório, a IA demite mais mulheres.
A automação não é neutra, o risco invisível da IA para mulheres
A ideia de que a tecnologia é imparcial é um mito reconfortante. Algoritmos não têm gênero — mas têm dados enviesados, modelos históricos desequilibrados e programadores com repertórios limitados.
Quando uma IA é treinada com dados que refletem desigualdades estruturais, ela não corrige esses padrões — ela os reproduz.
Não por acaso, cargos ocupados majoritariamente por mulheres — como atendimento, secretariado, recursos humanos e apoio operacional — estão entre os primeiros a serem automatizados.
Exemplo real: a Amazon foi forçada a abandonar um sistema de triagem de currículos por IA após descobrir que ele penalizava automaticamente candidatas mulheres, mesmo com perfis equivalentes aos dos homens.
Mas o problema não se limita ao chão de fábrica. A automação também já ameaça cargos de liderança, análise e decisão, onde a presença feminina ainda é limitada — e agora, mais frágil.
Uma transição silenciosa e em tempo real
Estamos vivendo uma transformação sem manual e sem benchmark. E o mais alarmante: ela já está em curso.
Segundo estudo da PwC (2024), 28% das funções administrativas podem ser automatizadas nos próximos 3 anos — uma área com predominância feminina em muitos países, incluindo o Brasil.
Essa transição raramente é explícita. Ela aparece no dia a dia, em frases como:
- “Vamos reestruturar a área com uma nova solução”
- “Essa tarefa agora será feita por um assistente virtual”
- “Estamos revendo a necessidade de posições operacionais”
O resultado? Demissões silenciosas, replanejamentos com menos diversidade, e um futuro menos plural disfarçado de eficiência.
O paradoxo da liderança feminina
Nos últimos anos, o discurso em torno da ampliação de mulheres em cargos de liderança ganhou força.
Mas como sustentar esse movimento se a base da pirâmide — onde estão muitas mulheres — está sendo apagada por algoritmos?
De acordo com a McKinsey (2023), no relatório “Mulheres no Local de Trabalho em 2023”, elaborado pela McKinsey em parceria com a LeanIn.Org, é destacado que as mulheres ocupam cerca de 1 em cada 4 cargos de diretoria.
Além disso, o relatório aponta que, para cada 100 homens promovidos a gerente, somente 87 mulheres o foram, evidenciando um obstáculo significativo no avanço das mulheres para cargos de liderança.
A pergunta que líderes de marketing, tecnologia e RH precisam fazer agora é:
Estamos formando uma nova geração de lideranças femininas ou estamos automatizando o futuro sem olhar para quem ele exclui?
Porque IA sem diversidade é apenas mais um sistema que reforça o que já era desigual.
Como não tornar recorrente que IA demite mulheres?
Três possíveis práticas
- Auditorias de impacto de IA por gênero
Avalie quem será afetado pelas automações em sua empresa. Quais áreas? Qual perfil demográfico? Quais funções estão sendo priorizadas para substituição? - Capacitação com contexto
Ofereça treinamentos em IA voltados para mulheres em transição de carreira — com linguagem acessível, foco prático e apoio psicológico e logístico. - Levantamento ativo do tema por lideranças
Conselhos, comitês e eventos precisam abrir espaço para essa conversa. Não se trata de tendência, mas de urgência.
Ignorar esse dado é abrir mão do futuro
O risco mais perigoso da inteligência artificial talvez não seja o que ela é capaz de fazer, mas quem ela é capaz de silenciar.
Se a próxima revolução do trabalho está em curso, precisamos garantir que as mulheres não sejam apenas espectadoras. Mas protagonistas.
Isso exige mais do que boas intenções: exige revisar processos, algoritmos, linguagens e prioridades.
Porque tecnologia sem equidade é só mais uma forma de repetir o passado. Com menos humanos. E mais código.